Na data em que se assinala meio século sobre a passagem da escolaridade obrigatória de quatro para seis anos, a investigadora Maria Candida Proença recordou (...) as contradições de um regime forçado a responder a uma "pressão social sobre a escola" e mais preocupado com a "imagem para o exterior" do que com a escolarização da população.
"Os níveis de analfabetismo eram muito elevados ainda. Nos rapazes andava perto dos 27% e nas raparigas dos 40%", afirmou a especialista em História da Educação.
Por decreto de 09 de julho de 1964, fixaram-se seis anos para a escolaridade obrigatória, mas esta podia ser cumprida através de várias modalidades, nomeadamente o ensino técnico. Só mais tarde seria criado o ciclo preparatório unificado, igual para todas as crianças.
Com o período de crescimento que se seguiu à II Guerra Mundial e que em Portugal se sentiu mais no final dos anos 50 - início da década de 60, verificou-se "uma grande pressão" sobre a escola, notou a investigadora.
O aumento da escolaridade por parte do regime terá sido "para dar uma resposta mais por pressão social do que propriamente porque fosse muito a vontade deles", defendeu.
"Além disso, também porque internacionalmente estávamos mal vistos, uma vez que todos os países estavam a aumentar a escolaridade e nós ainda estávamos nos quatros anos", indicou.
No Estado Novo, só era obrigatória a 3.ª classe. Em 1956, tornaram-se obrigatórios os quatro anos de escolaridade apenas para os rapazes e só depois para as raparigas, em 1960, assinalou a investigadora do Instituto de História Contemporânea.
A partir do início da década de 60, a procura pelo ensino cresceu de uma forma que levou à instalação de pavilhões pré-fabricados nas escolas.
Surgem inovações, como a criação do Ciclo Preparatório unificado, legislado em 1967. Até então, os seis anos de escolaridade podiam cumprir-se por vários modos: ou pela 5.ª e 6.ª classe do ensino primário, ou pelo ensino técnico ou ainda através da telescola.
Com a criação do ciclo unificado começa a chegar uma maior democraticidade ao ensino: "vem realmente acabar com aquela separação que se verificava na 4.ª classe, logo aos 10 anos, entre os alunos que iam para o ensino técnico e os que iam para o liceu, sendo que dificultavam sempre mais a entrada para o liceu, que estava mais reservado para uma elite que seguiria depois para o ensino superior e o ensino técnico estava mais vocacionado para os operários".
A população do interior continuava "a considerar prejudicial" ter de enviar as crianças para a escola durante seis anos, porque persistia a ideia de que "não servia para nada e precisavam era de trabalhar e ganhar a vida" relata a investigadora, recordando que não foi fácil consolidar a nova escolaridade obrigatória. "Punham as crianças a trabalhar muito cedo".
A vaga de migração para as cidades acabou por ser determinante, assume Maria Cândida Proença: "Abriram-se as mentalidades e as pessoas começaram a perceber que para conseguir um emprego precisavam de mais alguma habilitação".
A televisão e a emigração também deram uma ajuda, uma vez que os portugueses começaram "a ver que existiam vidas diferentes das suas, que havia outras coisas".
Começavam a surgir novos métodos de ensino também, mas o regime não mudava. "Há alguma vontade de inovar, mas os programas não mudavam. Há uma série de contradições, num país aferrolhado, controlado, ideologicamente", observou a investigadora, sustentando: "Havia censura, os programas de História não mudavam, continuava a mesma história nacionalista, continuávamos a ter guerra em África e a ser profundamente colonialistas e a transmitir esse ideário".
Passados 50 anos, o ensino em Portugal é obrigatório até aos 18 anos ou 12 de escolaridade, embora tenha regressado a vertente do ensino vocacional ou profissional, que divide opiniões entre os especialistas sobre a idade em que os alunos devem ou não ser encaminhados para essa via, a par do debate sobre a igualdade de oportunidades.
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