Uma das questões recorrentes, atualmente, prende-se com a
aplicação da medida de adequações curriculares individuais aos alunos com
necessidades educativas especiais de carácter permanente que frequentam o
ensino secundário. Afinal, como se operacionalizam ou podem operacionalizar? Trata-se
de uma questão que tem suscitado bastantes dúvidas e sobre têm sido publicados
poucos esclarecimentos. Sendo assim, vou partilhar mais uma reflexão sobre esta
temática, já abordada anteriormente em outro texto (Adequações
curriculares individuais: como efectuar?).
O Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, refere que as adequações
curriculares individuais têm como padrão o currículo comum e não podem pôr em
causa a aquisição das competências terminais de ciclo, no ensino básico, e as
competências essenciais das disciplinas, no ensino secundário (cf. art.º 18º).
Neste momento, face à suspensão da aplicação do documento que estabelece o Currículo
Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais, através do Despacho
17169/2011, deixamos de fazer referência às competências e passamos a ter como
documentos orientadores do ensino as metas de aprendizagem, os programas
existentes e os seus auxiliares.
As adequações curriculares individuais podem consistir em
algumas modalidades. Desde logo, podem consistir na introdução de áreas
curriculares específicas que não façam parte da estrutura curricular comum,
como sejam a leitura e a escrita em braille, orientação e mobilidade, treino de
visão, actividade motora, entre outras (cf. n.º 1 do art.º 18º). São situações
muito específicas que visam, entre outros aspetos, o acesso do aluno aos programas
disciplinares.
Outra modalidade muito singular consiste na adequação do currículo
dos alunos surdos com ensino bilingue através da introdução de áreas
curriculares específicas, como sejam a língua gestual portuguesa, o português
segunda língua e uma língua estrangeira escrita (cf. n.º 3 do art.º 18º).
As adequações curriculares podem consistir, ainda, na
dispensa das atividades que se revelem de difícil execução em função da
incapacidade do aluno, desde que o recurso a tecnologias de apoio não seja
suficiente para colmatar as necessidades educativas (cf. n.º 5 do art.º 18º).
Podemos tomar como exemplo um aluno tetraplégico que, em função das suas
limitações, pode ficar dispensado de executar alguns exercícios de educação
física.
As maiores dúvidas têm surgido, no entanto, ao nível das
adequações curriculares que podem traduzir-se na introdução de objetivos e
conteúdos intermédios em função do programa disciplinar, das características de
aprendizagem e das dificuldades específicas dos alunos (cf. n.º 4 do art.º
18º). Sobre esta temática, a extinta Direção-Geral de Inovação e Desenvolvimento
Curricular (DGIDC) refere que “Com as
adequações curriculares específicas pretende-se, através de percursos
diferenciados, em função das características de aprendizagem e das dificuldades
específicas dos alunos e de forma a responder às suas necessidades,
possibilitar o desenvolvimento das competências definidas para cada disciplina
ou ciclo de escolaridade. Assim, o ponto 4 do mesmo artigo prevê não a
eliminação mas a introdução de objectivos ou de conteúdos não definidos no
plano de estudos dos restantes alunos, com o propósito de funcionarem como
mediadores ou como interface para a aquisição de competências que os restantes
alunos adquirem sem necessidade desse suporte.” (DGIDC).
Fazendo as devidas atualizações quanto à referência às competências, questão esclarecida
acima, é importante notar que as adequações curriculares, previstas nesta
modalidade, não podem pôr em causa a aquisição e o desenvolvimento dos objetivos
e dos conteúdos programáticos definidos para a disciplina em causa. Pela
introdução de objetivos e conteúdos, compreendemos o esmiuçar dos conteúdos e dos
objetivos de modo a que o aluno, faseada e gradualmente, consiga aceder ao
programa final da disciplina. Tomemos como exemplo o objetivo final da
disciplina de português do ensino secundário “expressar-se oralmente e por
escrito com coerência, de acordo com as finalidades e situações de comunicação”.
Se o aluno ainda revela muitas dificuldades de expressão oral e escrita, provavelmente
teremos de esmiuçar o objectivo final e definir objetivos intermédios, faseados
gradativamente, passando por desenvolver os mecanismos da expressão oral e escrita
simples, pela consolidação desses mecanismos, pela introdução de contextos
diferentes de comunicação oral e escrita… Partindo do pressuposto de que um
aluno tem problemas de linguagem, designadamente de articulação e de comunicação
expressiva, babando-se enquanto e fala e enrolando as sílabas e as palavras,
tornando-se quase impercetível, vemo-nos confrontados com a impossibilidade de
atingir a totalidade do objetivo acima referido. Temos consciência, de antemão,
que o aluno nunca conseguirá expressar-se oralmente com coerência. Nesta
situação, há que evitar o insucesso sistemático, reflexo da incapacidade do
aluno. Na minha perspetiva, o importante será que o aluno, dentro das suas
limitações, consiga fazer-se compreender oralmente, ainda que sem incoerência.
Eventualmente, introduzindo objetivos e conteúdos intermédios, como o treino da
fala, a leitura de palavras, de frases, de textos simples, e recorrendo,
eventualmente, ao apoio de terapia da fala, será possível reformular o objetivo
final tomando, a título de exemplo, a redação “expressar-se oralmente de forma
simples e por escrito com coerência, de acordo com as finalidades e situações
de comunicação”. Apesar de se registar uma reformulação, esta far-se-á em
função do perfil de funcionalidade do aluno, hipotecando apenas parcialmente a
aquisição do objetivo final.
Temos de ter presente que os alunos do ensino secundário que
beneficiem de adequações curriculares individuais com adequações no processo de
avaliação podem concluir este nível de ensino pela realização de exames a nível
de escola. Para prosseguimento de estudos superiores, só é exigida a realização
dos exames específicos de acesso ao curso pretendido.
A aplicação desta medida deve reger-se, assim, por alguma
dose de bom senso, baseando-se no perfil de funcionalidade e no interesse do
aluno.
Bela análise! Aqui há semanas, servi-me do outro post para sensibilizar um Conselho de Turma. Este também me vai ser útil.
ResponderEliminarObrigado!
Muito obrigado colega.
ResponderEliminarNo proximo conselho de turma já vou utiliza-lo para clarificar alguns professores sobre os exames nacionais de 12º anos.
marisa claro
Olá João.
ResponderEliminarObrigada pelo seu trabalho.
Será que me pode esclarecer uma dúvida? Um aluno de 3º ciclo com as alíneas a,b e d pode ir para o profissional e manter a b? Tem sido uma guerra com o CT para lhe fazerem adequações e testes adaptados... Dizem que o profisional não admite adaptações. Onde está isso legislado? Ainda não encontrei e já procurei. Help...!
Ana, sobre essa questão, publiquei o seguinte texto (http://inclusaoaquilino.blogspot.pt/2014/10/adequacoes-curriculares-individuais-e.html) Se continuar com dúvidas, insista!
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