segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Adequações curriculares individuais no ensino secundário


Uma das questões recorrentes, atualmente, prende-se com a aplicação da medida de adequações curriculares individuais aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente que frequentam o ensino secundário. Afinal, como se operacionalizam ou podem operacionalizar? Trata-se de uma questão que tem suscitado bastantes dúvidas e sobre têm sido publicados poucos esclarecimentos. Sendo assim, vou partilhar mais uma reflexão sobre esta temática, já abordada anteriormente em outro texto (Adequações curriculares individuais: como efectuar?).
O Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, refere que as adequações curriculares individuais têm como padrão o currículo comum e não podem pôr em causa a aquisição das competências terminais de ciclo, no ensino básico, e as competências essenciais das disciplinas, no ensino secundário (cf. art.º 18º). Neste momento, face à suspensão da aplicação do documento que estabelece o Currículo Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais, através do Despacho 17169/2011, deixamos de fazer referência às competências e passamos a ter como documentos orientadores do ensino as metas de aprendizagem, os programas existentes e os seus auxiliares.
As adequações curriculares individuais podem consistir em algumas modalidades. Desde logo, podem consistir na introdução de áreas curriculares específicas que não façam parte da estrutura curricular comum, como sejam a leitura e a escrita em braille, orientação e mobilidade, treino de visão, actividade motora, entre outras (cf. n.º 1 do art.º 18º). São situações muito específicas que visam, entre outros aspetos, o acesso do aluno aos programas disciplinares.
Outra modalidade muito singular consiste na adequação do currículo dos alunos surdos com ensino bilingue através da introdução de áreas curriculares específicas, como sejam a língua gestual portuguesa, o português segunda língua e uma língua estrangeira escrita (cf. n.º 3 do art.º 18º).
As adequações curriculares podem consistir, ainda, na dispensa das atividades que se revelem de difícil execução em função da incapacidade do aluno, desde que o recurso a tecnologias de apoio não seja suficiente para colmatar as necessidades educativas (cf. n.º 5 do art.º 18º). Podemos tomar como exemplo um aluno tetraplégico que, em função das suas limitações, pode ficar dispensado de executar alguns exercícios de educação física.
As maiores dúvidas têm surgido, no entanto, ao nível das adequações curriculares que podem traduzir-se na introdução de objetivos e conteúdos intermédios em função do programa disciplinar, das características de aprendizagem e das dificuldades específicas dos alunos (cf. n.º 4 do art.º 18º). Sobre esta temática, a extinta Direção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC) refere que “Com as adequações curriculares específicas pretende-se, através de percursos diferenciados, em função das características de aprendizagem e das dificuldades específicas dos alunos e de forma a responder às suas necessidades, possibilitar o desenvolvimento das competências definidas para cada disciplina ou ciclo de escolaridade. Assim, o ponto 4 do mesmo artigo prevê não a eliminação mas a introdução de objectivos ou de conteúdos não definidos no plano de estudos dos restantes alunos, com o propósito de funcionarem como mediadores ou como interface para a aquisição de competências que os restantes alunos adquirem sem necessidade desse suporte.” (DGIDC). Fazendo as devidas atualizações quanto à referência às competências, questão esclarecida acima, é importante notar que as adequações curriculares, previstas nesta modalidade, não podem pôr em causa a aquisição e o desenvolvimento dos objetivos e dos conteúdos programáticos definidos para a disciplina em causa. Pela introdução de objetivos e conteúdos, compreendemos o esmiuçar dos conteúdos e dos objetivos de modo a que o aluno, faseada e gradualmente, consiga aceder ao programa final da disciplina. Tomemos como exemplo o objetivo final da disciplina de português do ensino secundário “expressar-se oralmente e por escrito com coerência, de acordo com as finalidades e situações de comunicação”. Se o aluno ainda revela muitas dificuldades de expressão oral e escrita, provavelmente teremos de esmiuçar o objectivo final e definir objetivos intermédios, faseados gradativamente, passando por desenvolver os mecanismos da expressão oral e escrita simples, pela consolidação desses mecanismos, pela introdução de contextos diferentes de comunicação oral e escrita… Partindo do pressuposto de que um aluno tem problemas de linguagem, designadamente de articulação e de comunicação expressiva, babando-se enquanto e fala e enrolando as sílabas e as palavras, tornando-se quase impercetível, vemo-nos confrontados com a impossibilidade de atingir a totalidade do objetivo acima referido. Temos consciência, de antemão, que o aluno nunca conseguirá expressar-se oralmente com coerência. Nesta situação, há que evitar o insucesso sistemático, reflexo da incapacidade do aluno. Na minha perspetiva, o importante será que o aluno, dentro das suas limitações, consiga fazer-se compreender oralmente, ainda que sem incoerência. Eventualmente, introduzindo objetivos e conteúdos intermédios, como o treino da fala, a leitura de palavras, de frases, de textos simples, e recorrendo, eventualmente, ao apoio de terapia da fala, será possível reformular o objetivo final tomando, a título de exemplo, a redação “expressar-se oralmente de forma simples e por escrito com coerência, de acordo com as finalidades e situações de comunicação”. Apesar de se registar uma reformulação, esta far-se-á em função do perfil de funcionalidade do aluno, hipotecando apenas parcialmente a aquisição do objetivo final.
Temos de ter presente que os alunos do ensino secundário que beneficiem de adequações curriculares individuais com adequações no processo de avaliação podem concluir este nível de ensino pela realização de exames a nível de escola. Para prosseguimento de estudos superiores, só é exigida a realização dos exames específicos de acesso ao curso pretendido.
A aplicação desta medida deve reger-se, assim, por alguma dose de bom senso, baseando-se no perfil de funcionalidade e no interesse do aluno.

4 comentários:

  1. Bela análise! Aqui há semanas, servi-me do outro post para sensibilizar um Conselho de Turma. Este também me vai ser útil.
    Obrigado!

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  2. Muito obrigado colega.

    No proximo conselho de turma já vou utiliza-lo para clarificar alguns professores sobre os exames nacionais de 12º anos.

    marisa claro

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  3. Olá João.
    Obrigada pelo seu trabalho.
    Será que me pode esclarecer uma dúvida? Um aluno de 3º ciclo com as alíneas a,b e d pode ir para o profissional e manter a b? Tem sido uma guerra com o CT para lhe fazerem adequações e testes adaptados... Dizem que o profisional não admite adaptações. Onde está isso legislado? Ainda não encontrei e já procurei. Help...!

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  4. Ana, sobre essa questão, publiquei o seguinte texto (http://inclusaoaquilino.blogspot.pt/2014/10/adequacoes-curriculares-individuais-e.html) Se continuar com dúvidas, insista!

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