sexta-feira, 12 de julho de 2024

Um guia prático para ensinar a escrever

Há dados que indicam um desencontro entre o que os professores de Portugal e do Brasil, por um lado, pensam do ensino da escrita e, por outro, concretizam na prática de ensino. Isso mesmo foi confirmado no estudo «Teaching writing to middle school students in Portugal and in Brazil: an exploratory study».

Nesse estudo, entrevistaram-se 195 professores de ensino básico dos dois países. A maior parte dos entrevistados acredita ter sido adequadamente preparada pelo ensino superior para ensinar escrita. Em Portugal, a maioria dos professores declarou ter recebido formação adequada tanto durante a licenciatura (64%) quanto em ações de formação (51%). Além disso, de todos os professores entrevistados, mais de 50% concordam que a escrita é importante no sucesso escolar e no futuro profissional dos alunos.

Apesar das percepções positivas, mais de 60% dos professores disseram nunca ou raramente empregar práticas baseadas em evidências no ensino da escrita autorregulada — por exemplo, adotar objetivos específicos para o texto a elaborar, realizar atividades anteriores à escrita ou empregar técnicas de revisão com diretrizes preestabelecidas.

O tempo dedicado à escrita também não condiz com a importância atribuída à prática: em Portugal e no Brasil, o tempo médio dedicado à escrita é de 34 a 47 minutos por semana, ainda que a maior parte dos professores entrevistados fossem responsáveis por aulas de linguagem ou humanidades.

Assim, revela-se um desencontro entre a percepção dos professores e a prática efetiva do ensino da escrita. É necessário, pois, alinhar o que a investigação científica tem mostrado ser eficaz e o que se realiza nas salas de aula.

O que nos diz a ciência?

As atividades pedagógicas com maior evidência de impacto positivo no desenvolvimento das habilidades de escrita dos adolescentes estão muito alinhadas com os princípios do ensino explícito. São muito relevantes as fases associadas ao ensino explícito, sobretudo as seguintes:
  • a modelagem, em que o professor demonstra explicitamente uma lógica e/ou um procedimento;
  • a prática orientada, em que os alunos, assistidos pelo professor, praticam o que lhes foi ensinado na etapa de modelagem;
  • a prática autónoma, em que os alunos praticam sozinhos o que estudaram na prática orientada, com intervenções mais pontuais do docente.
Ainda que a escrita seja uma tarefa muito aberta — pois são infinitas as formas de compormos um texto —, os alunos beneficiam muito de atividades que possam ser explicitamente modeladas pelo professor. Essa modelagem incide não tanto no pormenor do texto em si, mas sim nos elementos e nas etapas do processo. Na escrita de um conto, por exemplo, o professor pode delimitar os elementos constitutivos da narrativa (o conflito, o clímax, o desfecho), ajudar a organizar parágrafos e estabelecer as etapas de composição das personagens.

Os professores e os alunos conhecem a importância desses elementos, mas poucos estabelecem formas mais eficazes de os aplicar. Assim, e em linha, por exemplo, com o estudo de Steve Graham e Dolores Perin «A meta-analysis foi writing instruction for adolescent students», destacam-se as seguintes atividades pedagógicas no ensino e na aprendizagem da escrita.

Como pode o professor planear e aplicar atividades de escrita?

1. Estabelecer objetivos especı́ficos

É benéfico estabelecer objetivos específicos no objetivo geral de redigir um texto de determinado género. Esses objetivos podem ser estabelecer uma situação de interlocução concreta — para o aluno refletir sobre as diferentes implicações linguísticas de escrever para um dado público ao empregar escolhas lexicais e/ou estruturas linguísticas particulares, estudadas na sala de aula. Os objetivos, gerais e específicos, devem ser poucos: caso contrário, os alunos podem dispersar-se no meio de tantas obrigatoriedades a cumprir.

2. Analisar bons textos e usá-los como exemplos

Em sala de aula, bem como nos manuais e materiais didáticos, mais do que disponibilizar exemplos do género textual para leitura dos alunos, é benéfico que os textos sejam explicitamente analisados, para que os alunos identifiquem o que há de bom neles, digno de imitar.

3. Dar reforço positivo aos alunos

Nos comentários feitos aos alunos durante o processo de escrita, é importante elogiar explicitamente os pontos fortes da produção, tanto por escrito quanto verbalmente. Assim, os alunos, desenvolvendo atitudes positivas na aprendizagem, empenham-se mais no processo e ampliam o repertório, na memória de longo prazo, de procedimentos linguísticos profícuos, aumentando a possibilidade de eles próprios se monitorizarem. Isto não quer dizer, contudo, que não se corrijam os erros e não se possa dar sugestões.

Que atividades de escrita podem os alunos desenvolver?

1. Combinar frases

Como forma de lapidar a construção sintática dos alunos, é benéfico realizar atividades de combinação de frases mais simples na formação de frases mais complexas. Os alunos podem aprender melhor a coordenar e subordinar orações, a intercalar e inverter os termos sintáticos, e a empregar sinais de pontuação, tais como a vírgula, o ponto e vírgula, os dois-pontos e o ponto final.

2. Elaborar resumos e sínteses

Uma excelente forma de desenvolver a concisão, parte do bem escrever, é elaborar resumos e sínteses com base em textos do manual escolar ou selecionados pelo professor. Os alunos centram-se assim na forma como o conteúdo foi e vai ser apresentado. Podem assim conseguir, por exemplo, hierarquizar, ordenar e exemplificar melhor as ideias num texto.

3. Produzir a partir de textos modelares

É benéfico analisar bons textos, e que os alunos neles se inspirem ao produzir os seus próprios textos. É importante, no entanto, que essa inspiração seja consciente, após análise e compreensão dos elementos estruturantes de um bom texto. Sem essa análise, a atividade é mera reprodução acrítica: pode resultar numa boa produção textual, mas dificilmente leva o aluno a autonomizar o seu pensamento.

4. Produzir entre pares

Contar com o apoio dos colegas de turma em todas as fases do processo da escrita promove bons resultados. Da pesquisa inicial ao planeamento, da leitura da primeira versão à revisão final, os comentários dos pares promovem o desenvolvimento da escrita entre adolescentes. Não se trata, contudo, de dividir a tarefa entre os colegas, mas de partilhar as etapas e o processo como um todo da tarefa individual: cada aluno deve compor individualmente o seu próprio texto.

Que estratégias pode o professor adotar antes da atividade de escrita?

1. Pesquisar informações e organizar ideias

É comum os alunos associarem a boa escrita a um talento inato, a uma inspiração súbita ou a uma capacidade criativa acima da média. No entanto, os bons escritores — amadores ou profissionais, adultos ou crianças e adolescentes — realizam um processo de pesquisa, deliberado ou não, do assunto sobre o qual vão escrever, organizando depois as informações recolhidas e as ideias que tenham surgido na pesquisa. É também comum os materiais didáticos e/ou os professores alertarem os alunos para a importância desse processo, sem, contudo, os orientarem; os dados mostram justamente o benefício da orientação explícita. É importante que os alunos tenham acesso, por exemplo, a guiões de pesquisa, a listas e critérios de reconhecimento de fontes fidedignas e a modelos de organização gráfica de ideias.

2. Planear o que escrever e como escrever

Feita a pesquisa e organizadas as ideias, os alunos devem planear o que vão escrever e como o fazer. Novamente, alertar para a importância do planeamento não basta, é preciso ensiná-lo e orientá-lo. Por isso, é positivo que os alunos aprendam a hierarquizar ideias, a fazer corresponder a abordagem de um tema a determinado género textual, visto que, por exemplo, escrever um conto sobre violência é diferente de escrever uma crónica sobre violência, e a planear a sequência de informações e ideias ao longo dos parágrafos e das frases.

E que estratégias pode o professor adotar depois da atividade de escrita?

1. Rever o texto com estratégias e diretrizes preestabelecidas

A importância de rever e editar o texto é consensual, mas é preciso orientar os alunos. Combinar com eles os passos a dar, reiterando-os aula após aula até se tornarem automatizados e instintivos, é uma excelente prática pedagógica. No aprimorar da escrita, são disso exemplos os procedimentos por vezes designados por MAPS (maiúsculas e minúsculas, aparência estética geral, pontuação, separação silábica na quebra de linha) e o STAR (substituir palavras genéricas por palavras precisas, tirar repetições desnecessárias, adicionar informações em falta, reorganizar ideias de maneira mais lógica).

2. Incentivar a colaboração entre alunos

Pedir aos alunos que discutam o seu texto com colegas e incentivar os alunos com maior domínio a ajudar os que tenham mais dificuldade contribui para consolidar e ampliar conhecimentos. A partilha de textos entre colegas também ajuda a identificar dificuldades e a resolver problemas - e isso desenvolve a autonomia dos alunos.

Arthus Bustamante e Olivia Portela de Mauro

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