No ano passado, 1400 alunos, dos mais de 50 mil que entraram no ensino superior, eram beneficiários do 1.º escalão do abono de família. Ou seja, pertenciam a famílias com muito baixos rendimentos. O universo de potenciais candidatos a prosseguir estudos com o mesmo perfil era dez vezes superior, quase 14 mil. É um facto: a barreira socioeconómica que separa os mais pobres da universidade existe ainda, poderosa.
Se olharmos para a composição social de cada curso, agiganta-se. Nos cursos de Medicina, cerca de 70% dos alunos são filhos de pais com um diploma superior (Edulog, 2021). É só um exemplo para dizer que os cursos que exigem notas mais altas – e que são frequentemente aqueles que garantem melhores salários no futuro – permanecem de acesso “reservado”.
A questão tem sido muito discutida em vários países e há muitos estudos a atestar o mesmo: jovens que acumulam desvantagens, que têm muito baixos rendimentos, menos acesso a bens culturais, que vivem em bairros piores, em casas piores, não têm, como é óbvio, as mesmas hipóteses. Há sempre excepções, claro, mas é fácil perceber que candidatos que fizeram o seu percurso a pagar explicações extras terão condições para ter notas excepcionais nos exames de acesso – e é isso que hoje é exigido em muitos cursos.
O Governo decidiu criar uma quota para os muito pobres. Nesta sexta-feira, ficámos a saber que todas as universidades e politécnicos decidiram aderir desde já. Haverá, no mínimo, duas vagas por curso para alunos do 1.º escalão, em todos os cursos, mesmo os que têm médias de acesso de 19 ou quase. Em Medicina também. Ou em Engenharia e Gestão Industrial. Ou Engenharia Aeroespacial.
É uma notícia fantástica. Muitos têm levantado dúvidas, mas isto não é sequer uma bizarria no nosso sistema de acesso. Há muitos anos que temos contingentes de vagas para jovens com determinadas características: por serem de regiões autónomas, ou filhos de emigrantes, ou terem alguma deficiência. E não, estes alunos não "tiram" vagas a ninguém: ao número recorde de vagas no superior que hoje o Governo divulga, somar-se-ão estas vagas prioritárias. E os que a elas se candidatam têm de cumprir requisitos mínimos.
As instituições de ensino deram um sinal inspirador: sabem que terem nos seus cursos mais disputados o talento de alunos com vidas mais difíceis só pode ser um trunfo, para elas e para um dos países mais desiguais da UE, como o nosso. É preciso agora que as bolsas estejam à altura: os que de outro modo não conseguiriam entrar serão também os que de mais apoio social precisarão para prosseguir e crescer.
Andreia Sanches
Fonte: Editorial de Público
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