segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A naturalização dos ambientes digitais nas dinâmicas escolares

A chegada das novas tecnologias de informação e comunicação às escolas básicas e secundárias do país mudou perspetivas, alargou horizontes, alterou metodologias, colocou alguns pontos de interrogação e dúvidas na forma de integrar essas ferramentas no quotidiano da comunidade educativa. Foi e continua a ser preciso pensar em processos eficientes e sustentáveis para que as tecnologias e ambientes digitais façam naturalmente parte das dinâmicas escolares. Neuza Pedro e João Filipe Matos, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, detalham seis princípios de ação neste setor no texto “As Tecnologias nas Escolas: (requerem) novas ferramentas, novos espaços e novas dinâmicas”, publicado no relatório “Estado da Educação 2018” do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Mais uma década pela frente, 2020 começou há pouco, identificam-se fatores de sucesso, a modernização das práticas e dos espaços escolares é um objetivo permanente. “De facto, as tecnologias digitais constituem recursos estratégicos para desenhar e constituir espaços de aprendizagem inovadores, criar condições para a adoção de pedagogias ativas e melhorar as aprendizagens dos alunos”, escrevem os autores do texto. No entanto, avisam, é essencial que educadores, professores, formadores de professores, decisores políticos e sociedade civil “assumam um posicionamento crítico sistemático relativamente às práticas implementadas em meio escolar com tecnologias digitais”. “Como acontece com qualquer recurso, elas podem ser usadas para reforçar e realizar mais eficazmente pedagogias tradicionais e conceptualmente ultrapassadas face à sociedade atual, como podem ser pensadas como elemento estratégico transformador da própria escola”, sublinham.

Já não é possível ignorar o mundo tecnológico e a escola tem um papel determinante na melhoria da sociedade a vários níveis. Os autores lembram que a mudança e a transformação das práticas escolares passam necessariamente por uma variedade de dimensões e, por outro lado, a utilização de tecnologias digitais em múltiplas esferas da atividade escolar abre uma variedade de possibilidades. Os alunos podem desenhar os seus próprios trajetos de aprendizagem de forma acompanhada, podem expor ideias, podem simular processos e fenómenos impossíveis de representar sem recurso a tecnologias digitais.

Neuza Pedro e João Filipe Matos identificam seis princípios de ação. O primeiro é claro: as escolas têm de estar tecnologicamente equipadas. Nesse sentido, a qualidade dos recursos e ferramentas precisa ser avaliada e assegurada. Há vários problemas, no entanto. Desconhece-se o estado real e atual do parque tecnológico das escolas públicas, o que se ambiciona para a agenda digital que Portugal assumiu não tem expressão prática, o número global de computadores disponíveis no sistema educativo tem vindo a baixar consideravelmente, e os equipamentos, na sua maioria, estão obsoletos.

“Os múltiplos projetos existentes no contexto nacional, nas últimas décadas, fariam antever que existisse hoje nas escolas portuguesas uma realidade amplamente favorável no que toca a serviços de conectividade, ao acesso a equipamentos informáticos fixos e/ou móveis e à existência de recursos digitais de qualidade, disponíveis para utilização dos alunos em atividades em que esses recursos constituam uma mais-valia na implementação de abordagens pedagógicas de sucesso”. Todavia, na inovação pedagógica e na modernização educativa que se procuram implementar, no contexto nacional e europeu, “as tecnologias são efetivamente um requisito que se encontra por satisfazer”.

Sabe-se que a imersão dos alunos nas tecnologias é fundamental, por ser a realidade que vivem no seu dia a dia, por se tratar de ferramentas pedagogicamente relevantes. “Se é bem verdade que os processos de inovação pedagógica não são inerentes ao uso de tecnologias digitais, não sendo pois a inovação assegurada somente pela disponibilização de equipamentos, não deixa de ser importante salientar que uma escola equipada com tecnologia obsoleta e serviços de conectividade disfuncionais se revela incapaz de hoje em dia desenvolver com sucesso as múltiplas funções que lhe são exigidas”, realça a dupla.

A Escola Secundária de Carcavelos, no concelho de Cascais, é um exemplo de manutenção do parque informático e em que as infraestruturas de rede e os serviços de conectividade funcionam. “A solução encontrada não deriva de se ter conseguido o desejado apoio dos organismos centrais na resolução do problema; antes advém de um processo interno de procura de alternativas engenhosas, criativas e sobretudo exequíveis e de sustentabilidade provada”, adiantam.

Em 2011/2012, num momento de obras, a escola optou por uma dupla rede de fibra ótica e, nessa altura, estava envolvida num projeto de inovação educativa de substituição de manuais escolares por recursos digitais suportados por tablets. Neuza Pedro e João Filipe Matos lembram que tudo foi feito com muito cuidado. “Para este processo, a escola contou com uma equipa de docentes devidamente preparada e disponível para apoio técnico (através da mobilização do crédito horário da escola e das horas estabelecidas no artigo 79.º, do Estatuto da Carreira Docente), a qual tem assegurado, desde então até à atualidade, que tecnologicamente na escola tudo funciona, no momento desejado, sem interrupções ou oscilações na qualidade”.

Professores capazes e novos layouts para a sala de aula

Um corpo docente capacitado é o segundo princípio de ação. Os professores têm de ter uma visão informada, dinâmica e reflexiva das oportunidades de aprendizagem que devem proporcionar aos seus alunos. Quem ensina não é uma correia de transmissão das orientações curriculares e a modernidade exige um outro perfil de docente. A integração natural das novas tecnologias em processos de formação docente está ainda por generalizar. “No entanto, são muitos os professores e as escolas que, aproveitando o pretexto da ‘atualização tecnológica’ da escola se envolvem em atividades e projetos que constituem formas de desenvolvimento profissional vivido com os pares e em estreita relação com o contexto envolvente, onde a formação formal se faz acompanhar de processos de suporte mútuo, tutoria e outros mecanismos de follow-up”.

“É urgente que a dimensão tecnológica na formação inicial e contínua dos professores e educadores seja assumida e continuamente mantida como eixo de desenvolvimento e se articule com as componentes didática, pedagógica e metodológica e deontológica”. O projeto de implementação de espaços inovadores de aprendizagem no 1.º Ciclo do Ensino Básico, da Câmara de Cascais, criou uma sala-protótipo na EB1 Padre Agostinho da Silva com novo mobiliário, novas tecnologias e um novo layout, em consonância com novas práticas pedagógicas para uma nova visão de sala de aula. O projeto expandiu-se a oito dos 11 agrupamentos do concelho no ano letivo passado. A ideia é abranger a totalidade.

“Dentro do projeto, um fator de sucesso precisa ser enaltecido: o suporte formativo e acompanhamento providos aos professores das escolas envolvidas. O projeto procurou assegurar, desde o seu início, formação contínua formal e informal à totalidade dos professores participantes no projeto por parte de diferentes instituições do Ensino Superior”.

No terceiro princípio de ação está a quadratura tecnologia-espaço-metodologia-avaliação. A organização do espaço físico de ação, a sala de aula, tem de ser repensada. É necessário, alertam, redesenhar a educação na sua relação dialética com os espaços onde ela tem lugar.

Além disso, é preciso considerar novas abordagens à monitorização do processo de ensino e de avaliação das aprendizagens para se medir os efeitos conseguidos com tais mudanças nas práticas em sala de aula. Os autores chamam a atenção para vários fatores. “Num quadro pedagógico em que os métodos ativos são cada vez mais trazidos como relevantes, é importante considerar tanto professores como alunos na edificação de novos espaços e no elencar das múltiplas oportunidades oferecidas pelo edificar de novos layouts para a sala de aula e mesmo de novas conceções de sala de aula”.

O Agrupamento de Escolas Fernando Casimiro Pereira da Silva, em Rio Maior, tem espaços educativos inovadores, foi um dos pioneiros em iniciativas de integração da tecnologia no pré-escolar e 1.º Ciclo, bem como a inspirar-se no projeto Future Classroom Lab. No âmbito do projeto “ActiveLab” surgiu, em 2015, um dos primeiros ambientes educativos inovadores, as designadas “salas de aula do futuro”, que rapidamente se emancipou como iniciativa. Em 2017, três novas salas “AtiveLab” haviam já sido criadas no Centro Escolar da Mina do Espadanal, no Centro Escolar Poeta Ruy Belo e na EB1 da Asseiceira.

Lideranças escolares digitalmente proficientes e tecnologicamente orientadas estão no quarto princípio de ação. O papel de um líder escolar não é fácil, tem de liderar com constantes movimentos sociais e mudanças de paradigmas educativos. “Pelas responsabilidades que lhe estão outorgadas, cabe às direções escolares (estabelecer meios para se) criar uma visão sobre o futuro da escola que inclua dimensões como o desenvolvimento de competências nos professores e nos alunos que lhes permita sustentar atividades inovadoras que, de forma convergente, se orientem para a aprendizagem, a iniciativa e a criatividade”.

A valorização da dimensão tecnológica da vida escolar assegura as condições para o desenvolvimento de uma cultura de escola que naturalize o uso de tecnologias digitais em todas as esferas da sua atividade. Os diretores escolares devem apresentar os desejados níveis de proficiência digital para “perspetivar o valor educativo que as tecnologias e os ambientes digitais podem trazer ao processo de ensino-aprendizagem bem como à gestão, comunicação e colaboração no seio escolar e extraescolar”. Se tiverem uma forte visão estratégica sobre a importância das tecnologias digitais na promoção de atividades pedagógicas inovadoras, assumem um papel ativo e preponderante na criação de uma cultura de utilização das tecnologias nos seus contextos escolares. “Mas, perversamente, o inverso revela-se igualmente verdade”, avisam.

O Agrupamento de Escolas do Freixo, Ponte de Lima, é dado como exemplo onde processos de inovação tecnologicamente suportada se estabeleceram e disseminaram por meio de uma liderança tecnologicamente proficiente. Com o plano de ação estratégico de inovação digital iniciado em 2011, o agrupamento passou a desenvolver uma intensa integração digital nas suas atividades. “Foi delineada uma estratégia de simplificação e acesso permanente a toda a documentação relevante através da utilização de plataformas digitais. Foram atribuídos e-mails para todos os docentes, alunos, pessoal não docente e encarregados de educação, com a criação de grupos internos, que permitiram agilizar a comunicação digital integrada no Office 365”. Os encarregados de educação também foram envolvidos no processo, tiveram formação para usar o Yammer e, assim, acompanharem em tempo real o trabalho dos seus filhos, bem como ter acesso a todos os recursos disponibilizados pelos professores.

Tecnologias como currículo, não apenas ao serviço

Tecnologias como currículo, não somente ao serviço do currículo. Este é o quinto princípio. “As tecnologias digitais – entendidas como recurso físico e conceptual – constituem um elemento de mediação da atividade escolar que não pode ser comparado com outros recursos de outras épocas históricas e outros contextos sociais e tecnológicos”, destacam os autores do texto publicado no relatório do CNE. As tecnologias valem por si, não têm de estar agarradas ou a ir a reboque dos programas.

“Se momentos históricos houve onde as TIC poderiam ser advogadas como devendo estar transversalmente ao serviço do currículo, tais momentos expiraram há muito. Hoje o saber atuar com e sobre as tecnologias, o deter competência digital, é em si um saber a adquirir e que precisa ter espaço específico no currículo, sendo isso preconizado por múltiplos currículos internacionais, pelas competências-chave elencadas pela União Europeia e pelo perfil do aluno nacionalmente em vigor”.

O Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Lisboa, como muitos outros, apresenta-se como um agrupamento onde a presença das tecnologias está assegurada desde o 1.º Ciclo ao Ensino Secundário há vários anos. Começou com um projeto de integração de Robótica no 1.º Ciclo, em 2013, com duas turmas e cerca de 50 alunos. Em 2015, com o Prémio Inclusão e Literacia Digital, a área da Robótica expandiu-se às 10 turmas dos 3.º e 4.º anos, num total de cerca de 200 alunos. O alargamento continuou e, em ligação atual ao projeto Artmédia, em estreita relação com o Plano Nacional de Cinema, as TIC estão igualmente presentes nas turmas do 2.º Ciclo, bem como uma disciplina no 3.º Ciclo e no Secundário. “Inúmeras outras escolas e agrupamentos apresentam realidades semelhantes, colocando as TIC ao serviço de projetos disciplinares e atividades extracurriculares ao mesmo tempo que procuram por múltiplos meios ampliar a presença das TIC no currículo formal, com espaços e tempos letivos explicitamente a si alocados”.

A tecnologia como linguagem da ciência e da sociedade é o sexto princípio. “Cada vez mais nos habituamos à ideia de que o rápido desenvolvimento das tecnologias digitais está a mudar muitas das nossas práticas diárias, como por exemplo a forma como comunicamos e gerimos o tempo profissional e de lazer. Mas é menos óbvia a forma como as tecnologias digitais têm vindo a fazer parte da cultura e a afetar a forma como pensamos e a nossa própria linguagem falada e escrita”.

Neuza Pedro e João Filipe Matos avisam que esta espiral de desenvolvimento das tecnologias digitais e as novas formas de lidar com o conhecimento colocam à escola um desafio sobre o qual a comunidade educativa deve refletir e responder. “Trata-se de reconhecer as tecnologias digitais não apenas como constitutivas da linguagem da ciência, mas como recursos que promovem o acesso de novos estratos da sociedade à ciência e às suas aplicações”.

O Agrupamento de Escolas de Alcanena ilustra esta realidade. Depois da criação do Espaço Educativo Inovador, do projeto “Aula sobre Rodas”, da criação do Laboratório de Criatividade, o agrupamento persiste em salientar-se como instituição educativa onde a tecnologia, a engenharia e o multimédia surgem interligados com as ciências e as artes. “Essa relação revela-se solidamente conseguida e este agrupamento foi recentemente o melhor classificado na Europa entre 1100 escolas de 15 países, pelo projeto ‘STEM School Label’, obtendo a distinção Proficient STEM School Label”. Todos os alunos são estimulados a participar em atividades curriculares e extracurriculares de investigação científica ligadas às disciplinas de Biologia e Geologia, Físico-Química e Matemática.

Fonte: Educare

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