O Plano Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade, dois instrumentos que em nada destoam da ortodoxia financeira do anterior Governo, santificaram a geringonça aos olhos dos mercados. A oportunista tolerância de ponto do próximo dia 12 vai conferir-lhe uma oportuna bênção da igreja. E não são apenas um PSD sem imaginação e um PCP e Bloco dependentes da minoria maioritária que Costa engendrou, a partir da rejeição quase universal de Passos Coelho, que garantem a aparente paz política reinante. Essa paz é resultado, também, da placidez subalterna de vários sectores profissionais, mansos agora porque os senhores feudais mudaram. A Educação é disto paradigma destacado.
A 19 de abril, em Coimbra, o ministro da Educação disse que a redução do número de alunos por turma ia abranger 200 mil estudantes. O ministro mentiu, porque a redução se aplica apenas aos anos iniciais de ciclo das escolas TEIP. Nesses anos, não chegam a 70 mil os alunos matriculados. Se não procurasse iludir incautos, teria dito que a medida se aplica apenas a 70 mil de um universo existente de quase um milhão e 200 mil alunos.
Começaram ontem e prolongar-se-ão até 9 de maio as provas nacionais, obrigatórias, para os alunos do 2º ano do ensino básico, relativas às denominadas Expressões Artísticas e Físico-Motoras. É sabido, público e notório, que muitas escolas de 1º ciclo jamais ofereceram aos seus alunos ensino nas áreas agora submetidas a provas. Essas escolas nem sequer possuíam os materiais necessários para as organizar. Pediram-nos emprestados ou receberam-nos depois de acções de emergência, de aquisição, por parte das câmaras ou juntas de freguesia.
O secretário de Estado da Educação sugeriu que as provas foram decididas por “impressões” colhidas em conversas com professores e em visitas que realizou e disse que servem para “tirar uma fotografia ao sistema” e para perceber "se um aluno teve ou não condições para realizar as tarefas". Sucede que a Lei 31/2002 aprovou um sistema de avaliação, contínuo, estável e sistemático, compreendendo a autoavaliação e a avaliação externa das escolas que, entre outros objectivos, tem o de produzir “uma informação qualificada de apoio à tomada de decisão”. Acontece que o Despacho nº 13342/2016 reforçou as disposições daquela lei e estabeleceu, por remissão, que a avaliação em análise devia “contribuir para a regulação da educação, dotando os responsáveis pelas políticas educativas e pela administração das escolas de informação pertinente”. Ocorre que o ministério tem um sofisticado sistema de informação (MISI) que visa “facultar aos organismos centrais a informação necessária para a prossecução das suas atribuições”. Tudo visto, verifica-se que estão disponíveis milhares de páginas produzidas pelas escolas e pela IGEC, que dizem o que o secretário de Estado vai concluir.
O secretário de Estado da Educação garantiu que “a partir de agora vamos ter dados sistemáticos sobre o que existe”. Mas as provas não serão objeto de qualquer registo documental. Nem escrito, porque são práticas, nem áudio ou vídeo porque, imagino eu, seria logisticamente impraticável. Apenas teremos as classificações que, no acto, dois professores atribuirão aos examinados.
Obtendo o pleno pós-moderno para esta rematada imbecilidade, os enunciados destas provas do século XXI foram previamente divulgados para garantir, disse o secretário de Estado da Educação, a equidade.
Provas para crianças do 4º ano, de 9 anos, que só existiam em dois países da Europa, foram condenadas no tempo de Nuno Crato e eu pertenci ao grupo. Mas provas para crianças do 2º ano, de 7 anos, inexistentes em toda a Europa, ainda por cima com uma exposição pessoal que pode ser vexatória, parecem pacíficas em maré da geringonça. Mas eu não estou no grupo.
Santana Castilho
Fonte: Público
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