segunda-feira, 6 de junho de 2016

ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS E ENSINO SUPERIOR

Deputados do PS vão apresentar um projecto de resolução no sentido de tornar a frequência do ensino superior mais “amigável”, por assim dizer, a alunos com necessidades especiais.
Dados de 2014 mostram que em 94 de 291 instituições do ensino superior afirmaram a existência de serviços de apoio para alunos com deficiência.
O projecto de resolução envolve a disponibilização de apoio pedagógico personalizado e adequação do processo de matrícula, das unidades curriculares, do processo de avaliação. É ainda referido o incremento da ”potencialidades da era digital”.
Por princípio, qualquer iniciativa no sentido de minimizar a longa corrida de obstáculos que é a vida das pessoas com necessidades especiais é bem-vinda e merece registo.
No entanto, creio que, para além de aspectos mais evidentes como a acessibilidade, o apoio pedagógico e a utilização de dispositivos diferenciados nos materiais de apoio das unidades curriculares, da diferenciação nos processos de avaliação ou o recurso às tecnologias não serão os grandes obstáculos. Tenho alguma experiência de docência no superior com alunos com necessidades especiais e não sinto que sejam estas as questões centrais.
Também não me parece imprescindível que as instituições sejam “obrigadas” a criar “serviços de apoio” a alunos com deficiência. Do meu ponto de vista, procurar responder da forma a adequada às necessidades de TODOS os seus alunos é a essência do trabalho de qualquer instituição educativa e de qualquer docente, com maior ou menor dificuldade.
A questão mais importante decorrerá, creio, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, os alunos com necessidades especiais.
Também é minha convicção de que as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que que manterão as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe,
No entanto, um grupo muito significativo de alunos é desde muito cedo trancado num gueto chamado CEI (Currículo Específico Individual) e acontece que muitos destes alunos no final da escolaridade obrigatória são “aconselhados” a recorrer a instituições especializadas.
Eu sei que existem boas práticas mas já tenho referido por aqui muitas situações desta natureza.
E para estes não há o “depois” da escolaridade obrigatória, a institucionalização generalizada não parece a mais ajustada em nome do que se defende para a sua educação até aos 18 anos e para sua vida como cidadãos, educação e inclusão, sendo certo que o recurso generalizado ao CEI não é, em muitos casos a forma adequada de promover … inclusão.
A inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade).
O envio destas pessoas para as instituições contraria tudo isto e o que foi procurado fazer antes dos 18 anos ainda que, como vimos, nem sempre bem.
As pessoas com NEE depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.
Porque não podem frequentar estabelecimentos de ensino superior? Sim, frequentar o ensino superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta educativa e a experiência proporcionada pode ser importante.
Porque não podem frequentar espaços de formação e aprendizagem profissional?
Porque não podem frequentar espaços laborais?
Porque não podem frequentar espaços de recreio, cultura e lazer?
Porque não pode envolver-se em instituições sociais não como “clientes” mas como actores?
Porque não …
Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
Será que os deputados pensaram nestas pessoas? Vou acreditar que sim e esperar para ver.

Zé Morgado

2 comentários:

Rita disse...

Excetuando a universidade, por razões óbvias (tirar um curso superior não é compatível com um CEI nem a universidade é um local para se estar lá para ver os outros a tirar cursos), os alunos CEI, não NEE generalizando, podem fazer tudo o resto: há ex-alunos CEI em espaços de formação e aprendizagem profissional, a frequentar espaços laborais, a frequentar espaços de recreio, cultura e lazer e a envolver-se em instituições sociais.
Pode não ser generalizado, mas há muitos exemplos, felizmente.
Cabe-nos a nós, enquanto sociedade, fomentar este espírito, mas não podemos negar o que já existe.

Zé Morgado disse...

Rita, se bem reparou escrevi "Eu sei que existem boas práticas mas já tenho referido por aqui muitas situações desta natureza." Quanto à presença na universidade seria interessante discutir mas parto do princípio que uma Universidade não tem que ser "apenas" um espaço onde se tiram os cursos que actualmente existem. A Universidade tem de saber mudar e acomodar diferenças, faz parte do seu papel.