E pois de falar das férias, regresso ao tema da escola. Não para estragar o Verão e o descanso merecido de pais, alunos e professores, mas para alertar para a questão das retenções, que na prática se designam por chumbos.
O Ministério da Educação (ME) veio depressa contentar-se com a diminuição das taxas de retenção (2013/14), nos anos de escolaridade em que se realizaram exames nacionais. Percebe-se bem o alcance deste “êxito” logo apregoado: os exames de final de ciclo, uma das bandeiras deste triste ciclo de Nuno Crato, estariam a contribuir para a diminuição do insucesso escolar.
Uma análise mais pormenorizada dos resultados escolares, contudo, não confirma esta conclusão apressada e não deixa de ser preocupante: a perspetiva atenta sobre o futuro do desempenho escolar dos nossos alunos só nos pode deixar mais inquietos.
Em primeiro lugar, tendo em conta os resultados do 2.º ano de escolaridade (a 2.ª classe de outrora), verifica-se que o aumento dos chumbos se tem mantido, ultrapassando agora, pela primeira vez, os 10%. E se analisarmos as retenções nos anos em que não há exames finais, verificamos que houve aumento de chumbos nesses anos (com exceção do 8.º), como noticia o Expresso de 4 de julho. Convém esclarecer que não pode haver retenções no 1.º ano de escolaridade: mesmo que o desempenho seja problemático, o aluno só pode reprovar no ano seguinte.
Como poderemos interpretar o que se está de facto a passar? Esta glorificação dos exames, tão do agrado do ministro mas já abandonada em muitos países com melhores taxas de sucesso, contribui para a melhoria global do desempenho? Tudo indica que não.
É muito provável que os dados de hoje se relacionem com a necessidade de as escolas poderem vir a ter mais bonificações por parte da tutela, em créditos de horas e apoios para projetos específicos. O ME atual introduziu nas escolas a obsessão com a classificação dos estabelecimentos de ensino, os famigerados rankings. Na ânsia de serem melhor classificadas, as escolas retêm os alunos nos anos intermédios, permitindo a progressão dos melhores estudantes e a consequente melhoria nos resultados dos exames, base da sua classificação. Tudo isto, como acentua o Expresso, baseado em critérios de “eficácia educativa”, que estão longe de ser consensuais entre especialistas.
Esta retenção de alunos nos anos intermédios não é estudada com a exigência que o assunto deveria merecer. Entre os alunos que não passam estão estudantes com dificuldades de aprendizagem, crianças com problemas psicossociais graves ou jovens a atravessar crises de desenvolvimento. Nada disto é estudado em profundidade: quem não progride é deixado para trás, porque o professor não tem tempo ou competência para fazer um diagnóstico aprofundado da situação. É mais fácil chumbar: pode ser que o aluno melhore, é certo que se a escola tiver menos chumbos subirá nos rankings.
A taxa de retenção no 2.º ano de escolaridade (10,2%) deveria levar a um alerta nacional. Que acontece, ao aluno de oito anos, na sua família ou, acima de tudo, na sala de aula, para que ele não progrida? Que drama vive esta criança, que vê os seus colegas passarem de ano sem que ninguém verdadeiramente se interesse por ele? Que sente um professor empenhado, quando verifica que não consegue ajudar o aluno a avançar para o 3.º ano e se vê obrigado a o deixar para trás?
Na sua obsessão com os números, o ME de agora esconde o que mais interessa: aquele que não progride desde cedo, sem que ninguém saiba explicar porquê.
Daniel Sampaio
Fonte: Público
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