segunda-feira, 12 de maio de 2014

Como podem os tribunais forçar crianças ciganas a ir à escola?

Algo está a mudar no ponto de vista dos magistrados portugueses sobre a possibilidade de conciliar o acesso à educação e o direito à identidade cultural das crianças e jovens das comunidades ciganas, como há pouco reclamou o Grupo Consultivo para a Integração das Comunidades Ciganas. Quem o afiança é Maria José Casa-Nova, professora da Universidade do Minho.

Há dois anos, o PÚBLICO contou a história de uma rapariga que engravidou aos 13 anos e deixou de aparecer na Escola Básica 2,3 Carteado Mena, em Viana do Castelo. O diretor alertou a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens. Como a menina recusou a intervenção, o processo seguiu para tribunal. A procuradora decidiu arquivá-lo, argumentando: “Atento o meio cultural em que esta menor se insere, não existe qualquer medida de promoção e proteção que se adeque."

Na altura, Maria José Casa-Nova, que há tantos anos faz investigação sobre as comunidades ciganas, indignou-se. Na sua opinião, o acórdão revelava uma “desresponsabilização judicial e social”, que tinha “subjacente uma discriminação negativa” decorrente de um “racismo paternalista não assertivo”. Refere-se, desta forma, a um racismo subtil, que lhe parece fazer parte do quotidiano.

A Procuradoria-Geral de Lisboa suscitou exemplos concretos aos seus magistrados para iniciar uma reflexão sobre o modo como o Ministério Público (PM) lida com meninas de etnia cigana que abandonam a escola. Recebeu alguns exemplos que mostravam que, ali, aquilo também acontecia. O Centro de Estudos Judiciários (CEJ) incluiu o tema nas ações de formação contínua deste ano.

Na sessão, transmitida para diversas partes do país, participaram magistrados, psicólogos e assistentes sociais. Argumentaram alguns que de nada serviria aplicar uma medida que nunca seria cumprida. A única forma de ter uma rapariga cigana a ir à escola seria, na opinião de alguns, retirá-la à família e colocá-la num lar de infância e juventude, o que seria ainda mais penoso. 

Na qualidade de formadora, Maria José Magalhães explicou que, nas comunidades de etnia cigana, as raparigas dizem mais ter vontade de estudar e são mais cedo “orientadas” para o abandono. As famílias receiam que elas percam a virgindade, o que as desonraria e as deixaria sem marido. 

No seu entender, é preciso diversificar o acesso ao ensino, por exemplo, através do ensino à distância, do ensino em casa ou em centros de explicações, de modo a que as crianças e jovens que não vão à escola possam fazer os exames e passá-los. Uma outra hipótese seria criar turmas de raparigas, ciganas e não ciganas, com nível de exigência igual ao que qualquer outra turma. Pelo menos em Lisboa já houve um procurador que decidiu forçar a ida de uma criança cigana à escola. Os pais puseram-na num centro de explicações.

O Grupo Consultivo para a Integração das Comunidades Ciganas, de que a investigadora faz parte, decidiu em março chamar a atenção do Governo e da Procuradoria-Geral da República para a "necessidade" de sensibilizar decisores judiciários.

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