A única operação de adição que se faz na Secundária Alberto Sampaio é a do número total de alunos. Nos últimos três anos, todas as restantes contas são de subtrair. Hoje há menos funcionários, menos professores e menos dinheiro disponível. O retrato da escola de Braga é exemplar das consequências que a aplicação do memorando de entendimento teve sobre a educação, com uma dose de austeridade que foi o triplo da prevista no documento. Agora, a ginástica na gestão dos estabelecimentos de ensino começa a dar sinais de se estar a tornar impossível. “Que não haja a ilusão de que se pode continuar a fazer sempre mais com menos”, avisa o director, José Pinto de Matos.
Esta escola de Braga é hoje a sede um dos vários mega-agrupamentos constituídos nos últimos anos no país. À volta da Alberto Sampaio reúnem-se outras nove escolas de todos os ciclos de ensino, numa área geográfica de influência que vai desde o centro de Braga aos limites do concelho vizinho de Guimarães. No ano letivo 2011/2012, estavam ali inscritos 3309 alunos. Hoje são 3510. O aumento de 200 alunos no agrupamento não foi compensado com a entrada de novos professores. Pelo contrário, em três anos, saíram nove docentes – hoje são 96. Foi assim um pouco por todo o país.
No mesmo período, o orçamento para funcionamento do Agrupamento Alberto Sampaio, excluindo os vencimentos, sofreu uma redução de cerca de 480 mil euros. “Isto sente-se claramente no dia-a-dia”, conta Pinto de Matos. A escola foi obrigada a lançar uma campanha de redução de água e energia – da qual os alunos são “fiscais” e tem levado o consumo para recordes históricos – ou a reduzir ao mínimo possível as atividades extracurriculares, como as viagens de estudo, que impliquem um esforço financeiro das famílias, para não as onerar. De resto, “só não ficam por fazer muitas coisas dada a capacidade inventiva que vamos conseguindo ter”.
A redução no orçamento da Secundária Alberto Sampaio não permite perceber a escala dos cortes feitos a nível nacional. O memorando de entendimento com a troika previa uma redução de gastos na Educação de 370 milhões de euros para o conjunto dos dois primeiros anos de execução, através “da racionalização da rede escolar, criando agrupamentos”, da “diminuição da necessidade de contratação de recursos humanos” e da “redução e racionalização das transferências para escolas privadas com contratos de associação”, por exemplo. Mas logo no primeiro Orçamento do Estado deste Governo esse impacto foi ultrapassado – menos 404 milhões de euros no total.
Em 2014, a tutela inscreveu uma verba de 7956 milhões de euros no orçamento para o setor, menos 1100 milhões do que em 2011, ou seja, praticamente o triplo do corte que estava previsto. “A educação é a área social mais afetada pela austeridade”, avalia Isabel Gregório, presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (Cnipe), acusando o Governo de ter ido “mais longe do que aquilo que a troika pediu”.
Os efeitos destas opções são sentidos pelos estudantes e pelas famílias no dia-a-dia das escolas. “Há agrupamentos onde já não se tira fotocópias por falta de dinheiro. Os professores mandam os trabalhos por email, para os alunos imprimirem em casa, imputando mais um custo às famílias”, denuncia.
Para Jorge Ascensão, da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), a redução do financiamento público é mesmo a principal consequência da austeridade no setor: “O corte dificulta a ideia de uma educação global e inclusiva. Hoje, não existem recursos que permitam trabalhar o estímulo e a aprendizagem, sobretudo dos alunos que não têm grande apoio na retaguarda”.
Fecho contínuo de escolas
A diminuição de 1100 milhões fez-se também por via do encerramento de escolas. Nos últimos três anos letivos, fecharam 612 estabelecimentos de ensino, o que significa, porém, uma desaceleração face à tendência dos anos anterior. Só em 2010/11 tinham deixado de funcionar praticamente 600 escolas e desde 2002 foram mais de 6500 as antigas escolas primárias que desapareceram.
Outra redução verificada foi ao nível do pessoal. O número de funcionários não-docentes foi reduzido em mais de 5000 neste período, substituído na sua maioria por beneficiários do subsídio de desemprego, colocados nas escolas ao abrigo dos contratos emprego-inserção. O Governo não divulga números de contratações feitas ao abrigo deste modelo, mas os dirigentes escolares dizem que a prática está “generalizada”.
É assim na Secundária Alberto Sampaio, em Braga, onde o número (nove) de funcionários com contratos permanentes com o Estado que abandonaram funções nos últimos três anos é o mesmo do que aqueles que hoje têm contratos de emprego-inserção. “Estes deveriam ser lugares de contrato fixo, quer para a estabilidade do contratado, mas sobretudo da escola. São pessoas que chegam aqui sem estar preparadas e só se salva a boa vontade”, conta o director do agrupamento, José Pinto de Matos. Quando muitos destes funcionários começam a estar adaptados às novas funções, acaba o ano lectivo e são substituídos por outras pessoas nas mesmas condições. “Isso é muito sensível no ensino básico, porque os miúdos tendem a criar uma relação afectiva com os funcionários”, acrescenta o dirigente.
Também o número de professores sofreu uma diminuição acentuada ao longo do tempo de aplicação do memorando de entendimento. Em apenas dois anos – os últimos dados oficiais dizem respeito ao ano letivo 2011/12 – saíram 11 mil professores do sector público (o total fixou-se em 151 mil), consequência do fim de isenções de horário e da diminuição do número de disciplinas, por exemplo, e resultando num aumento do número de alunos por turma.
Os professores queixam-se de estar a perder “dignidade profissional”. “Neste momento, os professores só têm tempo para dar aulas, não têm tempo para mais nada”, conta Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Aos diretores das escolas sobram dois papéis: o primeiro é “trabalhar constantemente” para motivar professores e alunos, o segundo é responder à burocracia.
O retrato feito pelos dirigentes dos últimos três anos é o de um aumento das obrigações em termos de prestação de contas e pedidos de autorização à tutela. “A pressão burocrática é brutal”, diz Manuel Pereira. “Cada vez mais nos sentimos assoberbados de papelada”, concorda José Pinto de Matos, corrigindo rapidamente: “De papelada não, mas de cliques. Estamos sistematicamente a preencher, muitas vezes repetindo dados, formulários para as entidades diferentes da administração central”.
Hoje é preciso pedir autorização à Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares para coisas que antes eram competências dos diretores, como autorizar uma transferência de alunos ou uma visita de estudo que ultrapasse os três dias. A mensagem de Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), também aponta para uma maior centralização. Os últimos anos foram marcados pelas agregações de escolas – em 2010 existiam 1300 unidades organizacionais, hoje são 811. Este processo criou “uma nova estrutura muito complexa, recheada de ineficiências, mas que são difíceis de corrigir”, avalia.
Esta realidade contrasta com aquele que é apresentado pelo Governo como um dos grandes triunfos do mantado, o aumento dos contratos de autonomia, um objetivo que era referido no memorando. Dos 22 existentes até maio de 2011, o ensino público passou para um total de 212.
As escolas têm também aprendido a lidar com as consequências generalizadas da crise. As dificuldades das famílias refletem-se numa “instabilidade emocional” e no aproveitamento, entende Jorge Ascensão, da Confap. “Há um aumento exponencial de alunos a solicitarem escalão da Ação Social Escolar”, avança Filinto Lima, aumentando os casos de alunos com carências alimentares. Esta realidade poderá redundar num aumento do insucesso escolar, antevê Manuel Pereira. Este retrato não apanha de surpresa o diretor da Secundária Alberto Sampaio: “O que acontece na sociedade não fica à porta da escola”.
In: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário