Eles nem sempre contam, mas, quando o fazem, falam em agressões e insultos sistemáticos como chamar “gordo” e “caixa de óculos”. Dizem que o recreio é uma “tortura”, que passam os intervalos “a fugir”. Um dos agressores admitiu que escolhia as vítimas sempre da mesma forma: ia ao quadro de honra e excelência e perseguia os melhores alunos. Em quase todas as escolas há uma história de bullying.
Há quem tenha mudado de cidade e de emprego, para pôr um ponto final na violência que o filho sofria. Diogo também mudou de escola. Tinha nove anos quando, e num ato de desespero, se atirou de uma janela: sobreviveu, mas ficou com problemas motores e com a fala afetada. Diz que já não aguentava ser gozado por colegas. A mãe não esconde que ele sempre foi frágil, mas que é precisamente essa fragilidade e baixa autoestima que os agressores exploram. “Gostava de ter percebido, mas infelizmente nunca me apercebi de nada”, desabafa.
Maria, de 15 anos, era popular, a mais bonita. A meio do ano apareceu-lhe, porém, um tipo de acne agressivo e os colegas começaram a gozá-la e a espalhar o boato de que era contagioso. Cabisbaixa, deixou de falar nas aulas, ficava sozinha nos intervalos. Os professores chamaram a atenção dos miúdos para aquela atitude, puseram-nos a fazer pesquisas na Internet sobre acne e disseram à vítima para não se ir abaixo. Resultou.
Estas são algumas histórias que aconteceram em diferentes sítios. São contadas pelos próprios jovens ou pelos professores e pelos pais. É por causa delas que há cada vez mais escolas a apostar em estratégias de prevenção do bullying, diz Cláudia Manata, professora do Instituto de Apoio à Criança (IAC). É o caso do Agrupamento de Escolas Escultor Francisco dos Santos, Fitares, Rio de Mouro, Sintra. Apesar de já, em anos anteriores, terem desenvolvido ações em torno do tema, este ano começaram a pôr em prática um projeto que junta várias entidades, como a biblioteca, o gabinete de psicologia do agrupamento e o IAC.
As sessões são dirigidas a alunos do 4.º e 9.º ano – que vão passar as informações aos mais novos, incluindo aos do pré-escolar –, mas também aos encarregados de educação e professores. Ao longo do ano, haverá sessões de esclarecimento, de debate, exposições, teatro, tudo sobre bullying. Para além de Cláudia Manata e Melanie Tavares, do IAC, as atividades são dinamizadas pelo psicólogo e coautor do livro Plano Bullying – Como Apagar o Bullying da Escola.
A ideia é mostrar aos alunos que podem pedir ajuda e prevenir estes comportamentos, explica a professora bibliotecária, Luísa Fernandes. Ali todos se recordam que, durante três dias, miúdas do nono ano mantiveram uma página no Facebook com comentários sobre colegas: quem era bonito, feio, quem se vestia bem, mal, quem namorava com quem. Mas a escola atuou rapidamente e os professores descobriram as autoras que tiveram de dar uma aula sobre cyberbullying aos colegas.
Intervenção difícil
A presidente da Associação de Pais, Rosário Silva, acredita que, depois das sessões, os alunos “ficam mais sensibilizados”. Passam a conhecer histórias de figuras públicas que foram vítimas de bullying e são desafiados a colocarem-se em diferentes papéis: vítimas, agressores, observadores. “Ajudam-nos a perceber, a pormo-nos nos diferentes papéis. Fazem-nos cair na realidade”, diz uma aluna de 15 anos.
Andar à bulha e fazer as pazes no dia seguinte não é bullying, que se define por ser intencional e sistemático e que pode ser verbal, psicológico, físico, relacional (promove o isolamento), sexual e virtual. Segundo dados de 2010 do estudo Health Behaviour in School-Aged Children, que se realiza de quatro em quatro anos, 32,1% dos jovens portugueses tinham sido alvo de comportamentos de provocação/bullying uma vez por semana e cerca de 60% referiam já ter assistido a situações de provocação na escola, nos dois meses anteriores à entrevista. Os questionários dirigiram-se a alunos de 11, 13 e 14 anos de 139 escolas públicas do país.
A intervenção “não é fácil” não só porque os miúdos se remetem ao silêncio – têm medo de represálias e de serem chamados “queixinhas” – mas também porque os pais os tiram “logo” da escola: “Querem soluções rápidas e também têm medo”, nota a psicóloga Raquel Jerónimo.
No caso de Diogo, ninguém se terá apercebido da gravidade, nem em casa nem na escola. “Aparentemente, era feliz. Mas era reservado, guardava muita coisa para ele”, conta a mãe. Diogo esteve em coma três meses, internado oito. Esteve numa cadeira de rodas e teve longos processos de recuperação. Hoje já tem autonomia, anda de muletas, apenas a fala ficou bastante afectada.
“Há coisas que nem sei como consegui dar a volta, se devia ter feito isto ou não devia ter feito aquilo. Foi uma mistura de acontecimentos”, diz a mãe. O que Diogo conta é que, nos intervalos, era vítima de empurrões, que lhe chamavam nomes, que diziam que ele “tinha a mania”, que o ameaçavam, que o criticavam sistematicamente. Mas há um momento a partir do qual se remete ao silêncio: “Não me apetece falar disso.”
(...)
*os nomes de vítimas de bullying são fictícios
In: Público
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