quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os coelhos que Crato tira da cartola são passos eleitorais


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O primeiro inebriado com o cheiro a eleições foi Nuno Crato. Antecipou-se ao sorteio das faturas e desatou a distribuir milhões. Começou com 140, para uma espécie de meias licenciaturas sem certificado, a que chamou cursos técnicos superiores profissionais. Horas volvidas sobre o anúncio, os institutos politécnicos (os beneficiados na lotaria) vieram dizer que não os lecionariam. Alegaram com razão, digo eu, que a coisa se sobrepunha simplesmente a outra já existente, os cursos de especialização tecnológica, sem nada lhes acrescentar e destruindo a racionalidade do que já se fazia; que a medida era precipitada e havia sido tomada sem qualquer tipo de concertação com os interessados, estabelecendo, ainda, uma confusão total entre a formação profissional de nível secundário e a formação profissional de nível superior. Com efeito, sem que se tenha resolvido a trapalhada dos 30 milhões retirados às universidades, em “golpe de mão” que provocou a demissão (suspensa, é certo) do presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, fará sentido gastar 140 milhões numa sobreposição de cursos que já existem?

Pouco tempo volvido (Diário de Notícias de 17 transato), novo anúncio: 1300 milhões de euros para distribuir, em dois anos, por jovens com menos de 30 anos, que tenham abandonado o ensino superior e não estejam a trabalhar. Sem que se conheçam detalhes e concedendo, embora, que no quadro de sacrifícios enormes impostos às famílias resultam positivas as medidas que os minorem, o anúncio só pode ser considerado escandalosamente eleitoralista. Apesar da ressalva anterior, será equilibrado o destino anunciado daqueles 1300 milhões? É que, para que quem me lê ajuíze o desatino de tudo isto, recordo que, no Orçamento do Estado para 2014, a verba total alocada ao funcionamento de todas as universidades portuguesas é inferior ao que se propõe gastar com o regresso ao sistema de alguns alunos (dados recolhidos a meio do ano letivo de 2012/2013 apontavam para cerca de 20.000 alunos com propinas em atraso e apenas 1000 anulações de matrículas consumadas). Ou que os 650 milhões anuais anunciados para tal ação se comparam com os escassos 36 milhões inscritos para toda a formação de adultos em Portugal. Primeiro desempregaram-lhes os pais e cortaram ou diminuíram-lhes as bolsas de estudo (há 9 milhões de euros de incumprimento por parte de estudantes que recorreram a financiamento bancário para custear os estudos). Agora voltam a chamá-los com tal desequilíbrio de verbas?

Porquê a obrigatoriedade de não estarem a trabalhar para serem elegíveis? Imagine-se um jovem que, exatamente porque o desemprego entrou em casa dos pais, aceitou um trabalho pago a salário de escravo. Será justo ficar sem ajuda? Estamos a dizer-lhe que foi parvo, procedendo como procedeu? Imagine-se outro que, para não desistir, passou, com enorme sacrifício, a trabalhar à noite, enquanto estuda de dia. É moralmente aceitável deixá-lo de fora?

Como se sentirão os jovens que não são elegíveis (porque não “abandonaram” os estudos) pela kafkiana razão de nunca terem entrado na universidade, por nunca terem tido dinheiro para a pagar? Que ética é a do Governo, se decidir assim? 

Esta política de uma nota de dó está em sintonia com o flop do “ajustamento estrutural” da economia que, desta feita, o FMI desmascarou: 60% do aumento das exportações é consequência da entrada em operação da refinaria da Galp, em Sines. Se retirarmos do balanço importações/exportações a fatia representada pelos combustíveis, o resultado no celebrado indicador da balança comercial passaria a negativo. Saindo o cheiro da gasolina, fica, dominante, o cheiro das eleições, a marca vital de um partido que celebra ter conseguido, à pancada, dar uma vida pior às pessoas de “um país melhor”.

Santana Castilho
Professor do ensino superior

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