quinta-feira, 17 de outubro de 2013

"Os professores têm de ser ensinados a gerir a indisciplina nas salas de aula"

Contra a indisciplina nas escolas, de nada valem documentos como o Estatuto do Aluno, segundo especialista que defende que o problema se combate com a promoção do sucesso escolar

Falar alto na sala de aula, insultar o professor, não responder: a indisciplina nas salas de aula aumentou, embora esteja longe de atingir proporções preocupantes em Portugal. Mas, porque são "atitudes de baixo impacto mas elevada frequência", professores e pais partilham uma perceção muito negativa e inflacionada do problema. Soluções? "Atacar o problema do insucesso escolar e garantir que os docentes recebem formação em orientação e gestão de salas de aula", responde João Lopes, doutorado em Psicologia da Educação e um dos oradores da conferência Indisciplina na Escola que decorre hoje e amanhã - em Lisboa e Braga, respetivamente.

Promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, a palestra conta ainda com a participação de Dorothy Espelage, uma norte-americana especialista em bullying, e procurará responder a questões como: há mais indisciplina do que há alguns anos atrás? Estratégias como a expulsão da escola resultam ou pioram o problema? O insucesso dos alunos é maior porque eles são indisciplinados ou eles são mais indisciplinados porque têm insucesso? Ora, para João Lopes, tornou-se claro que "os alunos portam-se mal porque têm insucesso académico". Daí que o professor na Universidade do Minho defenda que a solução para o problema reside na promoção do sucesso escolar. "Muita da indisciplina é uma reação ao facto de o aluno estar numa sala sem conseguir acompanhar a aula", explicita.

Mas as soluções não se esgotam aqui. Para prevenir o problema, mais do que apostar tudo na reacção punitiva, seria necessário que os professores aprendam a gerir uma turma. "Seja na formação inicial ou na formação contínua, os professores têm de ser ensinados a organizar o grupo, estabelecer regras, rotinas, procedimentos, formas de participação e de circulação na sala de aula. Quando isto falha, gera-se indisciplina", concretiza o especialista, para lembrar que "não se pode pensar que os professores sabem organizar uma aula porque andaram na escola, até porque os alunos têm hoje comportamentos que eram impensáveis há quarenta ou cinquenta anos atrás".

Hoje há mais indisciplina nas escolas? "Como não poderia deixar de ser", adianta. E explica: "Hoje em dia, toda a gente está na escola até aos 18 anos. Há cinquenta anos atrás, na quarta classe, 40 ou 50% dos alunos já estavam eliminados. E, portanto, os que chegavam ao liceu já iam com motivações completamente diferentes". Por outro lado, o que ajuda também a explicar o agravamento da indisciplina é a mudança nas relações sociais. "As relações entre pais e filhos horizontalizaram-se, isto é, deixaram de ser tão hierárquicas e muitos pais começaram a ter mais dificuldade em controlar os miúdos em casa". E não, a culpa não é dos pais nem da falta de tempo destes para os filhos. Até porque "o tempo disponibilizado pelos pais para os seus filhos é hoje incomparavelmente superior". A mudança é, isso sim, cultural. "Antigamente, as mesas das refeições eram quadrangulares e os pais ocupavam o topo, hoje tendem a ser redondas. Nas salas de aula, por outro lado, desapareceram os estrados para os professores, não por uma questão técnica ou arquitetónica, mas por causa das diferenças na representação do poder". São transformações lentas que levam a que os alunos comecem "a confundir os papéis e a ter mais dificuldades em ver no professor alguém que é substancialmente diferente do resto da turma".

Contra isto, de pouco valem as constantes reformulações do estatuto dos alunos e a reivindicação do reforço da autoridade do professor na sala, diz João Lopes. "São documentos com dezenas e dezenas de páginas, logo inócuos". Para Lopes, "há a autoridade que a sociedade confere e há aquela que os professores ganham" no quotidiano. E para garantir que esta existe basta "meia dúzia de regras, que têm de ser deixadas claras logo no primeiro dia". Depois, perante um cenário em que um aluno insulta um professor, a reacção deve ser "rápida, directa e muito visível", do género expulsar da sala de aula e suspender o aluno, se for preciso. O que não se pode fazer "nunca, mas mesmo nunca", é deixar passar em claro, "porque é a acumulação de pequenas coisas que torna difícil a vida dos professores".
Por Natália Faria

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