Num momento em que o Ministério da Educação prepara mais reformas, especialistas avisam que as decisões políticas por tradição não são avaliadas nem suportadas por estudos.
Na educação, as reformas têm de ser lentas e precisam de tempo para amadurecer. Parece quase um lugar-comum, mas não é isso que acontece em Portugal, avisa a especialista em ciências da educação Helena Peralta. Bastará recuar no tempo para concluir que nas últimas seis décadas o país atravessou três reformas curriculares e ainda duas reorganizações dos currículos do ensino básico e secundário. Muitas mudanças com consequências que ninguém conhece, já que “os efeitos nunca foram avaliados”, conta a investigadora do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
Num momento em que o ministério de Nuno Crato se prepara para lançar novas reformas no currículo e na gestão escolar, especialistas e diretores de escolas debateram esta semana a “Autonomia e Inovação Curricular: Olhares Diferenciados”, procurando perceber caminhos feitos e ganhos para o ensino. O debate, promovido pela comissão parlamentar da Educação e pelo Conselho Nacional de Educação, serviu sobretudo para chegar a uma conclusão difícil de engolir: “Em países como Reino Unido, Singapura, Hong Kong, Nova Zelândia, Austrália ou Finlândia, as reformas curriculares são longas e feitas com base na investigação. Aqui mudamos porque sim”, critica Helena Peralta.
Faltam-nos estudos para suportar as reformas educativas, que por isso acabam por não ter consistência, avisa a especialista em desenvolvimento curricular e avaliação. É com alguma dose de inveja que Helena Peralta olha para os exemplos que estão no topo dos países desenvolvidos: “Fizeram reformas longas, que mudam por continuidade.” Portugal, por oposição, opta pelas ruturas. As decisões políticas, por seu turno, acabam por emperrar algures na máquina da administração central ou regional e têm ficado quase sempre à porta da sala de aula, conclui a investigadora.
Defender uma revisão curricular é dar também liberdade às escolas para responderem aos seus próprios problemas e alternativas pedagógicas. Só que a autonomia, apesar de ser “um discurso dominante dos últimos 20 anos”, ainda não entrou nos estabelecimentos de ensino público, avisa o presidente do Centro Regional da Universidade Católica do Porto, Joaquim Azevedo. Falta vontade política, defende o ex-secretário de Estado da Educação do governo de Cavaco Silva.
Falta também confiança na capacidade de professores e direções escolares: “Há um medo secreto dos governantes de as escolas se tornarem ingovernáveis”, conta Joaquim Azevedo, defendendo que os governos sucessivos optam pelo “controlo centralizado” por temerem o “poder espartilhado”. Só assim se justifica que ao longo da última década tenham acontecido mudanças consecutivas sem se “mexer nas regras da administração central ou regional”.
Os discursos dos governantes sobre a autonomia são como “uma retórica que serve sobretudo para preencher vazios políticos e ausências de estudos”, censura o especialista, admitindo, no entanto, alguns progressos positivos como são os projetos educativos que cada escola desenvolve ou os órgãos consultivos criados nos agrupamentos, permitindo a participação de encarregados de educação, alunos, autarcas ou associações locais nas decisões tomadas nos estabelecimentos de ensino.
Por Kátia Catulo
In: I online
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