Introdução
A linguagem, a leitura e a matemática são capacidades fundamentais para o sucesso académico. Desta forma, perturbações do desenvolvimento da linguagem, dificuldades de leitura e/ou matemática podem ter impactos negativos quer nos resultados académicos, quer na vida profissional e social futura (e.g. Clegg et al., 2005; Ritchie & Bates, 2013).
A investigação do impacto isolado de dificuldades da linguagem, leitura ou matemática tem vindo a orientar-se para a compreensão da interacção entre estes domínios (e.g. Birgisdottir et al., 2020; Peters & Ansari, 2019).
No entanto, ao contrário da linguagem, que se desenvolve antes do início do percurso escolar, a leitura e a matemática requerem instrução explícita. A abordagem tradicional de intervir apenas após o fracasso escolar do aluno (abordagem «wait-to-fail») é menos eficaz do que as intervenções precoces para a recuperação das dificuldades (e.g. Ellis, 2015). Neste sentido, considerando que os problemas de aprendizagem precisam de tempo para serem detectados e que a sua remediação deverá ser o mais precoce possível, impõe-se a necessidade de desenvolver métodos eficazes para uma identificação e intervenção atempadas.
Neste estudo, investigou-se a utilidade preditiva de indicadores da leitura e da matemática no pré-escolar, que não dependem tanto da instrução formal, a par de indicadores linguísticos, para a detecção precoce de dificuldades de aprendizagem no 1.º e 2.º anos de escolaridade.
Preditores cognitivos da linguagem, leitura e matemática: síntese da investigação
Linguagem
A linguagem oral, incluindo vocabulário e estrutura sintáctica, é um indicador crucial do desempenho académico, pois serve como meio central de ensino e aprendizagem. O vocabulário, especificamente, prevê de forma única o sucesso académico, mesmo quando se controlam outros factores (e.g. Foorman et al., 2015; Schuth et al., 2017)
Leitura
Os preditores precoces importantes para a leitura incluem a consciência fonológica, o conhecimento do nome e som das letras e a nomeação rápida. O conhecimento das letras, especialmente do nome e som das letras, é crucial para o desenvolvimento da leitura. Quando as crianças não dominam as correspondências letra-som (grafema-fonema), enfrentam dificuldades na leitura (e.g. Catts et al., 2001). Quando as crianças começam a ler, a própria prática de leitura torna-se o principal indicador de progresso (e.g. Bell et al., 2003).
Matemática
Os preditores matemáticos, especialmente o sentido de número, desempenham um papel crucial no desenvolvimento das habilidades matemáticas. Outras capacidades, como a estimativa na recta numérica, comparação de grandezas, nomeação de números e cálculos aritméticos simples (adições e subtracções), são igualmente fundamentais, influenciando directamente a aprendizagem de habilidades matemáticas avançadas (e.g., Hawes et al., 2019; Nogues & Dorneles, 2021).
Sobreposição cognitiva dos domínios da linguagem, leitura e matemática
Apesar das evidências de separabilidade, a diferenciação entre linguagem, leitura e matemática está longe de ser absoluta. Conforme indica a investigação emergente que conjuga estes diferentes domínios, a linguagem, leitura e matemática partilham factores cognitivos subjacentes (por exemplo, Chow & Ekholm, 2019; Birgisdottir et al., 2020), o que poderá explicar a co-ocorrência elevada de problemas de linguagem, de aprendizagem da leitura e de aprendizagem da matemática (Archibald, 2013). De igual modo, os resultados de desempenho académico, nestes domínios, encontram-se significativamente correlacionados (Shrank et al., 2014).
Estudo de Pham e colaboradores (2025)
O estudo de Pham e colaboradores (2025) investigou de que modo a avaliação, no jardim de infância, de capacidades cognitivas, consideradas indicadores dos níveis de linguagem, literacia e numeracia, predizem resultados académicos no 1.º e 2.º ano de escolaridade, nos domínios da linguagem, leitura e escrita.
Participaram neste estudo 563 crianças, de 16 escolas de Londres, acompanhadas ao longo de três anos, entre o jardim de infância e o 2.º ano de escolaridade.
No jardim de infância, as crianças realizaram tarefas experimentais destinadas a explorar a linguagem, a literacia e a numeracia. As tarefas foram aplicadas individualmente, por um investigador, numa sessão de 30 a 40 minutos. Para a avaliação no 1.º e 2.º ano, utilizaram-se, como medidas académicas, as classificações escolares das crianças em linguagem, leitura e matemática.
Em primeiro lugar, os investigadores adoptaram uma abordagem prática para analisar a organização das aprendizagens académicas. Em seguida, com base nessa organização, utilizaram-se as medidas cognitivas no jardim de infância para prever o desempenho académico nos anos seguintes.
Tabela 1. Avaliação no jardim de infância
Principais resultados
Este estudo longitudinal, de três anos, analisou de que modo determinantes cognitivos de linguagem, literacia e numeracia, no jardim de infância, podem prever o desempenho académico na linguagem, leitura e matemática no 1.º e 2.º anos de escolaridade. Os resultados da avaliação no jardim de infância revelaram um padrão multidimensional. Mais concretamente, apesar da sobreposição de desempenho, os domínios cognitivos diferenciaram-se entre si. No 1.º e 2.º ano, verificou-se um modelo unidimensional de resultados, sugerindo maior integração (e menor independência de desempenho) entre os vários domínios académicos (linguagem, leitura e matemática).
O estudo revelou ainda uma organização dos resultados da avaliação, no jardim de infância, em três factores principais:
- Factor verbal, que incluiu as medidas baseadas no significado, como a recordação de frases, o conhecimento de vocabulário e o cálculo aritmético;
- Factor simbólico, composto por medidas relacionadas com a compreensão e uso de códigos (símbolos), como a consciência fonológica, o conhecimento de letras e a nomeação de números); e
- Factor «comparação de magnitudes», que incluiu as tarefas de comparação de magnitudes.
No jardim de infância, apenas o factor «comparação de magnitudes» não apresentou poder preditivo. As capacidades verbais e as capacidades simbólicas revelaram-se preditoras do desempenho escolar no 1.º ano em todos os domínios avaliados (linguagem, leitura e matemática), bem como da respectiva evolução no 2.º ano. Assim, é possível concluir que estes factores cognitivos, interligados entre si, são preditores de diferentes domínios de aprendizagem, alinhando-se com as abordagens que integram todos os domínios de conhecimento, em lugar de abordá-los como categorias isoladas.
Implicações educativas
As capacidades verbais, como recordação de frases, conhecimento de vocabulário e cálculo, foram identificadas como preditores do desempenho académico posterior. Estes resultados corroboram a investigação, que indica que as crianças que ingressam no jardim de infância com boas habilidades de linguagem oral estão mais preparadas para as aprendizagens escolares comparativamente às crianças que apresentam dificuldades linguísticas.
As capacidades simbólicas, como a consciência fonológica, conhecimento de letras e nomeação de números, demonstraram uma influência decrescente ao longo do tempo. Ou seja, revelaram-se preditores directos do desempenho escolar no 1.º ano, mas apenas influenciaram indirectamente o desempenho no 2.º ano. Este padrão reflecte a transição entre a etapa de «aprender a ler» e a etapa de «ler para aprender». Numa fase inicial, a compreensão de leitura depende tanto do domínio verbal como do domínio simbólico. Quando as habilidades de reconhecimento de palavras se automatizam, o foco da tarefa transfere-se da descodificação (das letras) para a extracção de significado, tornando-se a leitura uma ferramenta de aprendizagem. Isto sugere que a avaliação precoce da alfabetização é útil para prever a prontidão escolar e o sucesso académico inicial.
Este texto é um resumo do artigo «Early cognitive predictors of language, literacy, and mathematics outcomes in the primary grades», disponível aqui.
Célia Oliveira e Marta Pereira